28.5.07

Comentário sobre o filme "Em busca da terra do nunca"




Nome original: Finding Neverland
Produção: Inglaterra (UK), Estados Unidos
Ano: 2004
Idiomas: Inglês
Diretor: Marc Forster
Roteiro: Allan Knee, David Magee
Elenco: Johnny Depp, Kate Winslet, Julie Christie, Radha Mitchell, Dustin Hoffman, Freddie Highmore, Joe Prospero, Nick Roud, Luke Spill, Ian Hart, Kelly Mcdonald, Mackenzie Crook
Gênero: biografia, drama, família
Fonte: “The Internet Movie Database” – http://www.imdb.com/

“Em busca da terra do nunca” traz Johny Depp no papel do dramaturgo escocês J. M. Barrie, que em 1903 alcançou seu tão esperado sucesso de público e crítica ao levar para os palcos o personagem Peter Pan. O filme mostra os eventos da vida real do escritor que o levaram a criar seu personagem imortal. O garoto que não queria crescer da peça teatral foi inspirado na figura de um garoto que não queria mais ser criança.

O garoto em questão se chamava Peter e era filho de uma viúva (Kate Winslet), o terceiro de uma tropa de quatro irmãos, dos quais o escritor se torna amigo, depois de um passeio no parque, ocasião em que buscava inspiração para a obra que viria redimi-lo de seu último fracasso nos palcos. O garoto Peter era o mais quieto dos quatro e o mais revoltado com as mentiras dos adultos, que o pouparam do conhecimento da doença do pai para surpreendê-lo com a notícia de sua morte. Esta omissão, com a qual sua mãe e outros adultos quiseram poupar-lhe o sofrimento da perda, pareceu-lhe um crime imperdoável. E à medida que tomamos conhecimento de sua revolta, testemunhamos o mesmo processo se repetindo em relação ao estado de saúde de sua mãe.

Vemos em ação o contraste entre o mundo transparente e imediato das crianças e o dissimulado, opressivo e farsesco ambiente adulto da burguesia vitoriana. Um ambiente em que não se permite que um adulto seja amigo de quatro crianças sem que isso origine maldosos boatos de pedofilia. E muito menos, que seja amigo da viúva mãe das crianças sem que surja a suspeita de adultério. Como uma criança ingênua que só se interessa por seus brinquedos, o escritor sem traquejo para as armadilhas da classe social a que pertence só se interessa por sua arte.

Essa falta de traquejo acaba lhe custando o casamento, o que parece não ter sido um preço tão alto a pagar em função dos benefícios que a brincadeira trouxe para sua literatura. Não parece ter sido tão alto porque esse casamento na verdade não passava de mera aparência. Pois não se pode levar a sério um casamento em que os cônjuges dormem em quartos separados. Felizmente, Freud ainda não havia se tornado célebre em 1903 e podemos fazer de conta que seus estreitos clichês não existiam. É justamente na época em que eles tinham alguma limitada validade, a do conservadorismo vitoriano, que se percebe o quanto são abusivos. Se fôssemos levá-lo totalmente a sério, teríamos que supor que a gênese literária de Peter Pan foi a sublimação das energias que não podiam se consumar sexualmente na união de um casal prisioneiro das couraças emocionais impostas pelas pesadas formalidades sociais de sua classe.

Para além dessa percepção unilateral, é preferível reter o tom levemente libertário que esta obra literária teve na valorização da especificidade do universo infantil da fantasia e da criatividade, em contraste com a pobreza morta do mundo adulto. É preferível respeitar a fuga para a fantasia e a literatura como uma maneira de crianças, assim como adultos, lidarem com os sentimentos de perda e finitude irremediáveis que acompanham a condição humana.
Do contrário, a associação rasteira e banal do nome “Terra do nunca” com insinuações de conteúdo sexual pode lembrar o nome de uma certa celebridade decadente do mundo da música, que transformou aquele título em sinônimo de pesadelo. “Em busca da terra do nunca” traz de volta um mundo em que a competitividade do showbiz ainda não levava à loucura e à destruição as suas celebridades.

E em que um autor de teatro podia contar com a benevolência de um produtor (Dustin Hoffman) disposto a bancar as aventuras extravagantes de seu protegido, ainda que este trouxesse consigo um histórico de fracassos. Como um pai disposto a tolerar as experiências de uma criança em fase de crescimento.

Daniel M. Delfino
25/02/2005

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