Ficar desempregado é o maior medo de todo trabalhador. No regime capitalista, vender a sua força de trabalho é a única forma que o indivíduo encontra de participar do intercâmbio produtivo e prover as suas necessidades básicas. Sem trabalho, o cidadão se sente incompleto, incapaz, e se torna materialmente de fato um ser dependente e socialmente inferiorizado. Isso não significa, por outro lado, que o trabalhador empregado seja livre e independente, o que envolve uma outra discussão que não é o foco da questão presente.
O que se discute aqui é o fato de que o sistema nega a uma porção cada vez maior de indivíduos a possibilidade de participar do intercâmbio produtivo e assegurar as condições da própria sobrevivência material. No Brasil, os institutos de pesquisa oficiais estimam a taxa de desemprego em índices que se situam sempre por volta dos 10%. Essas estatísticas não levam em consideração os trabalhadores que deixaram de procurar emprego, os que estão subempregados, vivendo de biscates, os que estão na economia informal, os aposentados que voltaram trabalhar porque ganham muito mal, etc.
Em resumo, a realidade da classe trabalhadora no Brasil é dramática. A porcentagem da chamada “população economicamente ativa” que está em ocupações formais, com carteira assinada e direitos garantidos, tem variado estatisticamente em torno dos 60%, o que no geral representa menos da metade da população total do país. Essa realidade tende a piorar cada vez mais.
A mídia burguesa tenta criar nos trabalhadores a ilusão de que a situação vai melhorar quando “a economia voltar a crescer”, como se algum tipo de atuação virtuosa por parte do Estado pudesse “gerar empregos”. Com base nessa ilusão, os desempregados continuam sonhando com a possibilidade de um dia encontrar emprego, e os trabalhadores empregados continuam segurando a barra de sustentar suas famílias com salários cada vez mais arrochados e condições de trabalho cada vez mais pesadas e sacrificantes.
Ao contrário do que diz a ideologia burguesa, a economia brasileira não vai crescer nem gerar empregos. Nas duas últimas décadas, marcadas pela abertura neoliberal da economia, o mercado de trabalho brasileiro passou a sofrer a concorrência de outros países em que o custo da mão de obra é ainda mais barato. Assim, as empresas capitalistas podem exigir que os salários no Brasil sejam rebaixados, que os direitos trabalhistas sejam retirados, que todas as conquistas dos trabalhadores (jornada de 8 horas, descanso semanal, férias, 13º., licença-maternidade, etc.) sejam revogadas, em nome da necessidade de manter seu lucro.
É essa a intenção por trás dos projetos de reforma sindical e trabalhista que estão sendo preparados para implantação em 2007, ganhe quem ganhar as eleições. Ou seja, o capital quer transformar o Brasil numa grande senzala, em que os trabalhadores são explorados como, quando e pelo preço que a burguesia quiser. O capital quer uma massa de trabalhadores sem direitos, sem carteira assinada, sem limite de jornada, sem salários suficientes para se sustentar, sem segurança de que vai ter emprego no mês seguinte ou mesmo no dia seguinte, permanentemente dependente e submissa.
Dissemos que essa realidade tem se aprofundado nas últimas duas décadas, período da chamada “globalização da economia”. A ideologia burguesa apresenta a globalização como se fosse um processo natural, inevitável, uma decorrência do “progresso”, contra o qual não se pode lutar em sã consciência. Da mesma forma, a ideologia burguesa diz que a culpa do desemprego é do próprio desempregado, que precisa “se qualificar” para disputar sua vaga num mundo “cada vez mais competitivo”, e é para isso que no conjunto a economia do país deve ser adaptada às “exigências do mercado”, ou seja, às reformas neoliberais que atacam a soberania nacional e as condições de vida de sua população.
Por trás desse discurso triunfante do “progresso” e da globalização “inevitáveis”, o que existe na verdade é um processo de crise aguda. O capitalismo vive a sua etapa histórica de crise estrutural. Uma crise que começou no início dos anos 1970 e se prolonga até hoje, com conseqüências cada vez mais graves para a humanidade. A globalização que se acelerou a partir da década de 1990, com a queda do muro de Berlim, o fim do “socialismo real”; deu uma sobrevida e um fôlego extra aos capitalistas, com o argumento de que “não há alternativa” ao modelo de mercado.
Na verdade, a alternativa capitalista é que está condenada. A crise estrutural do capital corresponde ao momento histórico em que o capitalismo não encontra saídas para contornar suas contradições senão tornando-se cada vez mais destrutivo. Vale à pena aprofundar um pouco esse conceito de crise estrutural.
A rigor, como diz Marx, “não existe crise permanente do capital, existem crises periódicas em permanência”. As crises periódicas do capital acontecem sob a forma de crises de superprodução de mercadorias. O sistema capitalista é atravessado por uma contradição fundamental entre a socialização da produção e a apropriação privada dos lucros. A concorrência capitalista exige o avanço permanente da tecnologia, que é uma conquista social e histórica, que permite que uma quantidade menor de trabalho seja empregada em cada produto. O capitalista aproveita os ganhos de produtividade da tecnologia para produzir mais com menos trabalho, e demite trabalhadores.
Com o desemprego tecnológico, passa a haver menos trabalhadores para consumir as mercadorias produzidas. Sem que as mercadorias sejam consumidas, a economia capitalista entra em crise e recessão. Esse é um retrato simplificado das crises periódicas capitalistas. Historicamente, foram encontradas formas que permitiam ao sistema deslocar os resultados potencialmente catastróficos das crises periódicas.
As crises do início do século XX já haviam mergulhado a humanidade no pesadelo de duas guerras mundiais. Em meados do século, a burguesia descobriu as virtudes estabilizadores da economia administrada, fazendo concessões aos trabalhadores, que passaram a consumir mais, desenvolvendo uma economia de serviços e consumismo, explorando novos ramos de atividades improdutivas como a indústria armamentista ou a corrida espacial. Isso permitiu por algumas décadas deslocar as contradições do sistema. Entretanto, a partir de meados dos anos 1960 essas receitas deixaram de funcionar, precipitando a etapa de crise estrutural, que vivemos desde a década de 1970.
A característica da etapa de crise estrutural consiste em que, para evitar os sobressaltos das crises periódicas e preservar o poder da burguesia, o capitalismo se torna cada vez mais destrutivo. Os principais sintomas da crise estrutural são: o recrudescimento das rivalidades e conflitos intercapitalistas, com a eclosão de guerras e a escalada militar (materializada na “guerra ao terror” de Bush); o agravamento da destruição ambiental, com os conseqüentes desastres ecológicos (do tipo Katrina); e finalmente o tema deste artigo, o desemprego.
O desemprego é apresentado como uma decorrência do progresso tecnológico, mas isso só acontece porque as forças produtivas humanas estão aprisionadas nas relações capitalistas de produção. De um ponto de vista humano, se a tecnologia avança, isso deveria ser aproveitado para poupar o trabalho humano necessário e permitir o desenvolvimento das capacidades criativas humanas. Deveria ser aproveitado para reduzir a jornada de trabalho e não para demitir trabalhadores.
Por exemplo, no caso dos cobradores de ônibus, ou caixas de banco, profissões que a tecnologia torna obsoletas, deveria se permitir que os empregados de transporte ou dos bancos trabalhassem menos, pois seus colegas cobradores e caixas foram “libertados” do trabalho. Deveria haver redução de jornada proporcional ao tempo de trabalho que foi libertado pela incorporação da tecnologia. Entretanto, como vivemos no capitalismo, o trabalhador enfrenta o desemprego, com levas de demissões na Volks, na Varig, nas Casas Bahia, etc.
Do ponto de vista do trabalhador e da sobrevivência da humanidade, o problema do desemprego só acontece porque o sistema funciona de cabeça para baixo. Não existe desemprego estrutural. O que existe é um sistema brutalmente irracional que de um lado condena uma massa cada vez maior de trabalhadores a permanecer inativos, e de outro, exige que uma massa enorme de recursos e técnicas permaneçam sem uso, ao mesmo tempo em que necessidades humanas prementes permanecem desatendidas. Tudo isso porque, no sistema capitalista, a força de trabalho e os meios de produção só podem ser utilizados se houver lucro para o capital.
Num sistema racional, a prioridade deveria estar em atender as necessidades humanas da população: alimentação, vestuário, moradia, transporte, saúde, educação, lazer e cultura. É nisso que a força de trabalho humana deveria ser empregada. Se de um lado há trabalhadores desempregados, e de outro há necessidades desatendidas, que se quebre o obstáculo das relações capitalistas. Que se permita que o intercâmbio produtivo humano se desenvolva racionalmente com base na troca planejada de atividades entre os produtores associados.
Isso somente será possível num sistema socialista. Ao contrário do que diz a burguesia, portanto, o socialismo não está morto, mas é a única alternativa capaz de salvar a humanidade da destrutividade do capitalismo em crise.
Trazendo essa discussão do abstrato dos conceitos para o concreto da vida real, é preciso levar adiante as lutas imediatas que contestam o desemprego. É preciso organizar os trabalhadores para lutar contra as demissões, contra a retirada dos seus direitos, contra a política econômica que submete os interesses do país aos do capital.
Sabemos que essa luta somente será bem sucedida se encaminhar para uma transformação socialista da sociedade, que dará a cada um segundo sua necessidade e pedirá de cada um segundo sua capacidade. Entretanto, há uma longa série de batalhas a serem travadas até que se chegue a esse estado.
O título deste artigo é uma paráfrase do “Manifesto Comunista” de 1848, de Marx e Engels. Nada mais natural que o seu fechamento seja uma citação literal:
“Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!”
Daniel M. Delfino
08/09/2006
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