31.5.07

"X-Men 3": Soluções apressadas e dilemas mal resolvidos


(Comentário sobre o filme "X-Men 3")



Nome original: X-Men 3: the last stand
Produção: Estados Unidos, Inglaterra (UK)
Ano: 2006
Idiomas: Inglês
Diretor: Brett Ratner
Roteiro: Simon Kinberg, Zak Penn
Elenco: Hugh Jackman, Halle Berry, Ian McKellen, Patrick Stewart, Famke Janssen, Anna Paquin, Kelsey Grammer, James Marsden, Rebecca Romijn, Shaw Ashmore, Aaron Stanford, Vinnie Jones, Ellen Page, Daniel Cudmore, Ben Foster
Gênero: ação, aventura, ficção científica, thriller
Fonte: “The Internet Movie Database” – http://www.imdb.com/

Aparentemente formou-se em Hollywood um consenso em torno da idéia de que uma série de filmes deve ter a forma de uma trilogia. O número de três episódios passou a ser considerado o ideal, provavelmente devido ao sucesso comercial e conceitual de séries como “Matrix” e “O Senhor dos Anéis”, ou talvez desde a ancestral “Guerra nas Estrelas”, a mãe de todas as trilogias. Assim, todos os filmes são projetados para ter no máximo três episódios; é o caso de séries em andamento como “Homem Aranha” e “Piratas do Caribe”.

É o caso também de “X-Men”. O terceiro filme foi produzido explicitamente para ser o último da série. Independentemente de qualquer preocupação conceitual com a história, “X-Men 3” foi produzido burocraticamente embaixo da imposição de encerrar a série em três episódios. Só isso explica a forma como o roteiro admite a morte de personagens cruciais para a estrutura da equipe. Mortes que em outros contextos, em outras histórias, poderiam muito bem ser evitadas. Não foram evitadas por força da necessidade de criar uma dramaticidade adicional e artificial. Há também outros problemas de roteiro. O personagem Noturno foi teleportado para fora do filme, inexplicavelmente. A explicação deve estar na dificuldade dos produtores para amarrar o elenco para seguidas continuações, o que ajuda a explicar extra-filmicamente a limitação das séries ao formato de trilogia.

No aspecto mais propriamente cinematográfico, a personagem Fênix, que seria uma segunda personalidade de Jean Grey, funciona como uma espécie de buraco negro do roteiro. Não possui motivações e atitudes claras. Na maior parte do tempo, não se sabe se trata-se de Fênix ou de uma Jean Grey debilitada, se a personagem está consciente ou não do que está se passando, ou qual de suas personalidades está consciente e dirigindo as ações. Na verdade, ela não tem uma direção definida, e se conduz como uma espécie de boneca, a serviço dos planos de Magneto.

Mas o maior problema está na postura política dos X-Men. Os seguidores do professor Xavier tornaram-se colaboradores do governo estadunidense. O Dr. Hank McCoy (Fera) ocupa o cargo de “secretário para assuntos mutantes” do governo. Sua função é impedir que os mutantes sejam oprimidos, mas também impedir que mutantes como Magneto e seus seguidores causem problemas para as autoridades.

Os problemas começam quando um laboratório particular descobre a “cura” para as mutações. Descobre-se uma substância que reverte a mutação provocada pelo “gene X”. Essa substância é produzida a partir de um mutante misterioso, cujo poder consiste justamente em reverter os poderes alheios. A partir do momento em que descobre a existência desse mutante, Magneto passa a tê-lo como alvo.

Ciente de que nenhum governo é confiável, Magneto reúne um exército de mutantes disposto a lutar contra a existência dessa “cura”. Seu discurso é politicamente avançadíssimo. Como sobrevivente do holocausto nazista, Magneto sabe que os humanos “normais”, tão logo descobrem uma minoria a quem culpar pelos seus problemas, tratam de isolá-la e exterminá-la. Por mais que o governo diga que a “cura” é voluntária, é evidente para qualquer observador atento da política e dos assuntos humanos que ela não tardaria a ser imposta pela força aos mutantes recalcitrantes que se recusassem a cooperar com a ordem ou mesmo manter seus poderes sob estrito controle. Sem que o secretário para assuntos mutantes fosse consultado, o governo não hesitou em colocar ampolas de injeção contendo a “cura” em armas automáticas, o que evidencia a intenção de se impor pela força à população mutante. Diante desse fato, o Fera teve ao menos a dignidade de renunciar ao posto no governo.

A idéia da “cura” para o gene da diferença oferece a possibilidade de colocar em discussão alguns problemas morais e políticos interessantes. Há alguns casos em que os poderes conferidos pela mutação causam mais prejuízos do que benefícios para seus portadores. É a situação de Vampira, por exemplo, que pode até mesmo matar por meio do simples contato com sua pele. Uma pessoa nessa condição está impossibilitada de qualquer contato corporal, e portanto de relações sexuais, estando assim privada de uma das dimensões fundamentais da realização humana.

Uma sociedade que tivesse como fundamento a realização dos indivíduos não colocaria obstáculos nem pressões no sentido de que uma pessoa como Vampira se utilizasse da “cura”. No entanto, a sociedade em que vivemos está baseada na desigualdade e na dominação. Convém não esquecer que estamos tratando dos Estados Unidos, um país no qual a uniformidade e a conformidade são valores supremos. Num país como esse, é plausível que um dom extraordinário como o do Anjo seja considerado uma maldição. É plausível e também sintomático que seu pai queira privá-lo de suas asas. Exerce-se uma pressão “informal” mas bastante violenta para forçar os desiguais a se adaptar ao padrão desejado pelo grupo dominante.

Essa pressão é a mesma que existiria por exemplo numa situação em que fosse inventada a “cura” para a cor de pele negra. Os negros conscientes corretamente considerariam um insulto o simples fato de que essa idéia fosse cogitada. No entanto, dada a violência sofrida pelos negros devido ao racismo, aos preconceitos e pressões da sociedade, há negros que considerariam a possibilidade de se submeter à cura, como Vampira fez. O raciocínio é válido para todas as minorias. É aceitável falar em uma cura para a cor da pele, orientação sexual, opção religiosa, etc.? “X-Men 3” tem o mérito de colocar essa questão em discussão.

A resposta de Magneto e seus seguidores é corretamente destruir a “cura”, embora seja incorreto matar sua fonte, já que se trata de um outro mutante, um ser da mesma espécie que se quer proteger. Ao contrário do episódio anterior, dessa vez não há como não torcer pelos “vilões”. Os X-Men, pelegos que são, se colocam no caminho, defendendo as instalações e as tropas do governo, as mesmas que minutos antes estavam munidas das armas capazes de destruí-los. A filosofia que os orienta, ensinada pelo professor Xavier é a do iluminismo liberal, que acredita piamente na possibilidade de conviver com os humanos sem qualquer confronto.

O iluminismo de Xavier demonstra sua inviabilidade no tratamento do caso Jean Grey. Diante de uma criatura que é, em suas palavras, “prazer, alegria e fúria”, a resposta do educador iluminista é reprimir e criar barreiras. O iluminismo revela então sua secreta matriz burguesa autoritária e repressiva, incapaz de tolerar o prazer e a alegria espontâneos. De maneira autoritária, Xavier arroga-se o direito de fazer escolhas em lugar de Jean Grey, decidindo o que é melhor para ela, privando-a do livre-arbítrio nominalmente tão caro aos liberais. O fim justifica os meios, já que o educador está agindo com “a melhor das intenções”. O resultado final só poderia ser o desastre.

A concepção de que “prazer, a alegria e fúria” são fundamentalmente incontroláveis, de que representam uma natureza secreta presente em todo ser humano, uma fera enjaulada, como metaforiza Wolverine, chegando mesmo a uma segunda personalidade que disputa com o superego consciente; é uma concepção tipicamente puritana e estadunidense, cristã e cartesiana, que separa o corpo da alma, a emoção da razão, o prazer da moral. A filosofia unilateral e maniqueísta que supõe a existência de duas personas opostas e rigidamente definidas em disputa no interior da alma humana, e que obriga o indivíduo a se decidir por uma delas e suprimir a outra, é o erro de origem que compromete o eixo da história. Essa é a concepção não apenas de Xavier, mas dos roteiristas e do público ao qual a história se dirige, pois ao final não há solução para o caso de Jean Grey, a não ser a morte, que ela mesmo pede a Wolverine, a fera domesticada.

Antes disso, rejeitando a manipulação bem-intencionada de Xavier, Jean Grey volta-se para o anarco-fascismo de Magneto. Aqui também há sérios problemas. O líder da Irmandade de Mutantes fundamenta sua ação com base na idéia de que o salto evolucionário corresponde a um imperativo da natureza. A natureza é um péssimo fundamento para a política. O discurso da raça superior é o jargão do nazismo. Os mutantes são a minoria oprimida, portanto estão conjunturalmente corretos em lutar contra a “cura”. Mas qual é o seu projeto? Tornar-se maioria ou dominar a maioria “homo sapiens”? Ou ainda, exterminar a maioria? E como tornar-se maioria se esse processo depende de uma força natural e não social?

O único projeto racional seria lutar por uma sociedade em que não houvesse a possibilidade de que um grupo se impusesse ao outro pela força. Para que possa existir e desenvolver-se plenamente a diferença individual, aqui representada pelas pessoas com mutações, seria preciso que deixasse de existir a desigualdade social, que separa os indivíduos em classes. Não é esse o projeto dos X-Men, capachos do governo estadunidense (o Fera, ao final, torna-se embaixador estadunidense na ONU), mas também não é o de Magneto. Para ele, assim como para Xavier, os fins também justificam os meios, de maneira muito mais drástica e desprovida de mediações. Dentro de sua Irmandade vigora a hierarquia e a manipulação. Há mutantes dispensáveis, que podem ser usados como peões e sacrificados na guerra, há mutantes que deixam de ser úteis à causa tão logo “deixam de ser” mutantes, como Mística, por mais que tenha sido a mais próxima, formidável e fiel colaboradora no passado.

O “deixar de ser mutante” está entre aspas porque, como se trata de um filme e de uma HQ, nada é definitivo. Os mortos podem voltar à vida e os poderes perdidos podem ser recuperados. Logo, não há uma certeza categórica de que a série se encerrará em três episódios, como foi apontado no começo deste comentário. Seria mesmo bom que prosseguisse, para tirar a impressão desagradável de um episódio burocrático, produzido a toque de caixa. Na pressa, as incoerências filosóficas acabam vindo à tona e fazendo ruir o alicerce dramático. “X-Men 3”, ao contrário do que diz o sempre patético subtítulo em português, não é o confronto final.

Daniel M. Delfino
02/08/2006

2 comentários:

Unknown disse...

quais sao os pontos principais da
revolucao russa
belem pa

Unknown disse...

quais sao os pontos principais da revolucao russa Belem-PA