Este escriba é um alienado. Não assiste televisão, não lê jornais nem revistas. Principalmente se essa televisão é a Rede Globo, esse jornal é a Folha de São Paulo e essa revista é a Veja. Dia a dia, mês a mês, ano a ano, entra governo, sai governo, a grande mídia sempre diz a mesma coisa. Tudo como d’antes no quartel de Abrantes. Não é preciso acompanhar a mídia diariamente para saber o que se passa no mundo. Antes, pelo contrário. A pressa é inimiga da perfeição. É mais produtivo manter distância da grande mídia, com seu açodamento, superficialidade e sensacionalismo, e trabalhar apenas com informações consolidadas. Quem corre cansa, quem anda alcança.
Essa medida profilática é especialmente saudável em tempos de Proer da mídia. Gato escaldado tem medo de água fria. É sábio desconfiar do que se ouve e do que se lê, num momento em que as empresas de mídia estão passando o pires no balcão do BNDES, em busca de uns trocados para salvar seus papagaios. O seguro morreu de velho, o desconfiado ainda é vivo.
Sem fontes de informação oficiais e oficiosas, este escriba está compelido a buscar informações na consagrada sabedoria popular. A verdade está lá fora. Nas rodas de amigos, nas mesas de bar, no salão de barbeiro, nos campos de pelada, nos pontos de ônibus, nas filas de banco, estabelecimento onde aliás, de maneira oportuna, este escriba calha de bater cartão diariamente. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça. A sabedoria popular tem a aguçada capacidade de definir, através de frases de efeito, como as que pontuam essa reflexão, o espírito do tempo.
O tempo atual é de altas perplexidades e baixas negociatas. O caso Waldomiro Diniz deu à direita alojada no interior do governo Lula uma extraordinária mobilidade para barganhar cargos e verbas em troca do seu sempre periclitante “apoio”. A ocasião faz o ladrão. Cargos e verbas estratégicos para um bom posicionamento na disputa eleitoral do semestre que vem. No toma lá dá cá dos bastidores, as peças do xadrez se posicionam para a disputa das eleições municipais. Deus ajuda a quem cedo madruga.
Eleições municipais que por sua vez são o ponto de partida da operação por meio da qual as forças políticas derrotadas em 2002 se lançarão para tomar de volta em 2006 o poder perdido para Lula. O PT deve ficar atento. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Já apareceram parlamentares do PSDB com cara de pau suficiente para defender o fim da reeleição. Acredite se quiser. Querem se livrar de Lula sem lhe dar sequer uma segunda chance.
Segunda chance que FHC fez questão de criar para si mesmo. Se isso mostrar cabalmente que a reeleição foi criada explicitamente para facultar a FHC um segundo mandato, isso não parece ser problema. Por acaso alguém acreditou que se tratava de uma discussão técnica sobre os méritos do instituto da reeleição? Às favas com aparências de honestidade. Sai da frente que atrás vem gente. No reino da completa desfaçatez, os tucanos não vêem problema nenhum em admitir que a reeleição só vale para eles. Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. Sentem-se tão à vontade porque na sua avaliação, o PT já está de saída derrotado.
Mas o governo Lula também tem sua carta na manga. O jogo é jogado e o lambari é pescado. Por meio das verbas do BNDES é possível aliciar a cumplicidade da mídia. O mundo é dos espertos. Os espertos da Globo saíram na frente. Em terra de cego quem tem um olho é rei. Uma reportagem do Jornal Nacional exibiu as escorregadas verbais do procurador Santoro. Quem fala demais dá bom dia a cavalo. O pau mandado de Serra admitiu explicitamente o plano de destruir o Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Filho de peixe, peixinho é. Santoro acabou posando de vilão maquiavélico. Em boca fechada não entra mosquito.
Mostrando as más intenções do tucanato por trás do escândalo dos bingos, a Globo saiu na frente. A incontinência verbal do procurador Santoro foi um achado e tanto para a Vênus Platinada. Achado não é roubado. No jogo sujo dos bastidores, vale a técnica do bateu levou. Um acusa daqui, o outro acusa de lá, cada um buscando uma providencial gravação via grampo ou dossiê secreto. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. O “achado” da Globo garantiu pontos decisivos a seu favor na disputa pelas verbas salvadoras do BNDES. A Globo está com Lula e não abre. Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Para quem achava que na política estivessem em jogo questões de mérito e de ideologia, assim como se nas investigações de corrupção estivesse em jogo a justiça, trata-se de um balde de água fria. O último prego no caixão da ingenuidade deve ser pregado tão logo se perceber que os critérios para concessão de empréstimos do BNDES não são nada técnicos. São critérios, digamos, estratégicos, no quadro do relacionamento do governo com a grande mídia. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Os critérios atendem na verdade a considerações de conveniência política, bem menos certas do que a boa técnica bancária.
Um Banco de Desenvolvimento, ainda mais econômico e social, deveria emprestar dinheiro para empresas que fossem investir na produção e ajudar a expandir o mercado. Não para empresas endividadas. Macaco velho não mete a mão em cumbuca. O ato de se emprestar dinheiro a empresas endividadas para livrá-las das conseqüências de seus próprios erros de gestão deveria ser considerado um precedente perigosíssimo. E se todas as empresas endividadas do país decidissem pedir o mesmo?
Essa consideração será soterrada pelo discurso publicitário da Globo em favor de si mesma. Quem tem boca vai a Roma. Uma campanha será deflagrada para mostrar ao respeitável público a importância estratégica de proteger a mídia nacional, num cenário de globalização que ameaça as culturas nacionais, etc... Então está certo. Eles fingem que são sinceros defensores da cultura nacional e nós devemos fingir que acreditamos. Quem não chora não mama.
Deve-se desconfiar do que diz a mídia, seja pela sua disposição para acobertar maracutaias do governo Lula, em prol da própria saúde financeira; seja pela presteza para servir de megafone para amplificar as bravatas da direita, em busca de uma posição sólida na era pós-Lula. Cada um tenta puxar a brasa para sua sardinha.
Os dirigentes da mídia oscilam de forma esquizofrênica entre as tentações opostas do apoio a Lula e da denúncia ao governo do PT. Mesmo porque, esses dirigentes da mídia são na verdade políticos, congressistas, tele-coronéis, oligarcas que se sustentam em seus currais eleitorais a custa de manipular a notícia. Beneficiam-se do poder local para chantagear o poder nacional. Porém sabem que o sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão. No complexo jogo de adivinhação, acendem uma vela para Deus e outra para o diabo.
A mídia pratica um jogo de morde e assopra e torna difícil separar o joio do trigo da cobertura política. Resta dizer que foi o próprio PT quem aceitou esse jogo. Ajoelhou tem que rezar. A coisa mais detestável em relação ao governo Lula é ter que defendê-lo. Detestável porque é uma obrigação ingrata. Diante de tantos erros cometidos, a tarefa de defender o PT equivale a dar nó em pingo d’água. Pode ainda dar a impressão de que este escriba está voltando atrás no que escreveu, o que não é verdade. Não retiro uma vírgula do que já disse em textos anteriores sobre o governo Lula. Quem avisa amigo é. As críticas permanecem válidas.
O fato de que o governo Lula tenha cometido todos os erros que se possa imaginar e mais alguns, não impede que as práticas de seus opositores sejam também devidamente criticadas em tudo aquilo que tem de nocivo e repugnante. Em relação a este particular, a obrigação de criticar os opositores do governo prevalece sobre a de fiscalizar o governo. A imbecilidade da dita “esquerda” ora no governo não absolve automaticamente a direita de sua perfídia enquanto oposição. É justo dar a cada um a devida retribuição. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
À sombra do caso Waldomiro Diniz veio à tona toda a fúria e o rancor da direita despeitada que não aceitou a derrota para Lula em 2002. A idéia de um presidente popular, que transforma a eleição em festa popular, legitimando o povo enquanto tal como sujeito político, é uma idéia intolerável para a direita. É claro que a alegria de pobre dura pouco, pois seu pão sempre cai com a manteiga para baixo. O desempenho do PT acabou se mostrando abaixo da crítica. Mesmo assim, com todos os defeitos ressaltados em comentários anteriores, é esse o governo “de esquerda” que temos. Quem não tem cão caça com gato. O problema é que o eleitor que votou em Lula esperando mudança comprou gato por lebre. Lula e o PT é que mudaram, para que tudo continuasse como sempre foi.
Que o governo não tenha sabido corresponder a esse mandato autenticamente popular não é a questão deste texto. A questão é que trata-se de um governo que verdadeiramente carrega (ou carregava) as melhores esperanças populares. Mais vale um pássaro na mão do que dois voando. O fato é que o “analfabeto” que chega à Presidência da República é uma figura difícil de engolir para oligarquias quatrocentonas que ainda teimam em ver o país como seu quintal. Oligarquias que se recusam a aceitar que seu tempo já passou. Cão que ladra mas não morde.
Não importa que a vitória de Lula tenha tido o condão de legitimar a ideologia burguesa. A ideologia de que qualquer um pode chegar lá: “se um migrante pernambucano, torneiro mecânico chegou lá, você também pode; vivemos num país democrático, onde o sistema funciona; o povo também tem vez.” Não importa que isso tenha sido apenas decorativo. O povo teve sua chance. Agora (2006 está aí), é hora de devolver o poder aos que realmente entendem. Cada macaco no seu galho. Para a direita rancorosa, mesmo essa alternância cosmética de poder é inaceitável.
A direita tem pressa para voltar ao poder. Por isso, agora é fora Lula. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Aí está a detestável ironia da coisa. O governo Lula está colhendo agora o que o PT plantou quando gritava “fora FHC”. O feitiço virou contra o feiticeiro. A arma da direita para desestabilizar o governo Lula foi plantada pelo próprio PT quando estava na oposição: a “crise política”. Pimenta no @#$% dos outros é refresco. A ameaça de CPI para investigar um escândalo de corrupção coloca o governo na defensiva e dá à direita o poder de exigir concessões. Quem tem rabo de palha não põe fogo no dos outros.
É simplista dizer que o PT paga agora o preço por sua cegueira. A falta de projeto, atestada pela recorrência do “fora FHC”, data da época em que o partido ainda era oposição. Pau que nasce torto morre torto. Descobre-se agora que era uma oposição apenas formal, não substancial, já que não tinha nada de novo para por no lugar do que saiu. Em casa de ferreiro o espeto é de pau. Ao invés de termos um projeto de país, temos uma obtusa gestão de aspectos macroeconômicos.
Um governo de esquerda que ao invés de ser pautado por um programa e uma ideologia, é guiado por idéias de marketing mirabolantes. Mentir demais pode ser perigoso, pois corre-se o risco de acreditar na própria mentira. De médico e louco todo mundo tem um pouco. O exercício do poder foi transformado em teatro da governabilidade. O PT adota o discurso de que “não há alternativa”. Em terra de sapo, de cócoras com ele. O pesadelo da venezuelização do país assombra o sono dos dirigentes petistas. Levados ao poder por vias eleitorais, não conseguem enxergar sua legitimidade além do aspecto eleitoral. Estão prisioneiros da necessidade de vencer as próximas eleições.
Como o PSDB, o PT também tem seu projeto de poder de 20 anos. Quem muito abraça, pouco aperta. O PT tem medo de ver o poder tão duramente conquistado esvaindo-se de seus dedos inábeis. Medo de quem, cara-pálida? Medo de não ter a capacidade para resistir ao golpismo da mídia e da direita reacionária? Não se cogita que o confronto, apesar do perigo, poderia trazer também o fortalecimento? O que não mata engorda. Se não há essa disposição, é por medo de não ter os colhões que Hugo Chavez teve em seu país? Lula dizia na época da posse que seu governo não poderia errar. Com isso, dizia que não iria tentar nada diferente. E ele errou, porque não tentou. Quem está na chuva é para se molhar.
Seria simplista, repito, dizer ao PT bem feito por sua estupidez. Escreveu, não leu, o pau comeu. Porque com isso ficamos num mato sem cachorro. Essa estupidez petista coloca o de todos nós na reta. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Enquanto se discutem essas miudezas eleitoreiras de bingos e CPIs, as grandes questões são decididas por debaixo dos panos. Na hora da onça beber água, o neoliberalismo marcha célere e avassalador. De grão em grão a galinha enche o papo. Na falta de um projeto nacional efetivo que se apresente como tal, os interesses internacionais tratam de assegurar seu quinhão. Cabeça vazia é morada do diabo. As raposas, a tomar conta do galinheiro, preparam-se para conceder a ALCA, a autonomia do Banco Central, a destruição da CLT, etc.
Como vovó já dizia, desgraça pouca é bobagem.
Daniel M. Delfino
17/04/2004
Essa medida profilática é especialmente saudável em tempos de Proer da mídia. Gato escaldado tem medo de água fria. É sábio desconfiar do que se ouve e do que se lê, num momento em que as empresas de mídia estão passando o pires no balcão do BNDES, em busca de uns trocados para salvar seus papagaios. O seguro morreu de velho, o desconfiado ainda é vivo.
Sem fontes de informação oficiais e oficiosas, este escriba está compelido a buscar informações na consagrada sabedoria popular. A verdade está lá fora. Nas rodas de amigos, nas mesas de bar, no salão de barbeiro, nos campos de pelada, nos pontos de ônibus, nas filas de banco, estabelecimento onde aliás, de maneira oportuna, este escriba calha de bater cartão diariamente. Quem tem ouvidos para ouvir que ouça. A sabedoria popular tem a aguçada capacidade de definir, através de frases de efeito, como as que pontuam essa reflexão, o espírito do tempo.
O tempo atual é de altas perplexidades e baixas negociatas. O caso Waldomiro Diniz deu à direita alojada no interior do governo Lula uma extraordinária mobilidade para barganhar cargos e verbas em troca do seu sempre periclitante “apoio”. A ocasião faz o ladrão. Cargos e verbas estratégicos para um bom posicionamento na disputa eleitoral do semestre que vem. No toma lá dá cá dos bastidores, as peças do xadrez se posicionam para a disputa das eleições municipais. Deus ajuda a quem cedo madruga.
Eleições municipais que por sua vez são o ponto de partida da operação por meio da qual as forças políticas derrotadas em 2002 se lançarão para tomar de volta em 2006 o poder perdido para Lula. O PT deve ficar atento. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Já apareceram parlamentares do PSDB com cara de pau suficiente para defender o fim da reeleição. Acredite se quiser. Querem se livrar de Lula sem lhe dar sequer uma segunda chance.
Segunda chance que FHC fez questão de criar para si mesmo. Se isso mostrar cabalmente que a reeleição foi criada explicitamente para facultar a FHC um segundo mandato, isso não parece ser problema. Por acaso alguém acreditou que se tratava de uma discussão técnica sobre os méritos do instituto da reeleição? Às favas com aparências de honestidade. Sai da frente que atrás vem gente. No reino da completa desfaçatez, os tucanos não vêem problema nenhum em admitir que a reeleição só vale para eles. Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. Sentem-se tão à vontade porque na sua avaliação, o PT já está de saída derrotado.
Mas o governo Lula também tem sua carta na manga. O jogo é jogado e o lambari é pescado. Por meio das verbas do BNDES é possível aliciar a cumplicidade da mídia. O mundo é dos espertos. Os espertos da Globo saíram na frente. Em terra de cego quem tem um olho é rei. Uma reportagem do Jornal Nacional exibiu as escorregadas verbais do procurador Santoro. Quem fala demais dá bom dia a cavalo. O pau mandado de Serra admitiu explicitamente o plano de destruir o Ministro da Casa Civil, José Dirceu. Filho de peixe, peixinho é. Santoro acabou posando de vilão maquiavélico. Em boca fechada não entra mosquito.
Mostrando as más intenções do tucanato por trás do escândalo dos bingos, a Globo saiu na frente. A incontinência verbal do procurador Santoro foi um achado e tanto para a Vênus Platinada. Achado não é roubado. No jogo sujo dos bastidores, vale a técnica do bateu levou. Um acusa daqui, o outro acusa de lá, cada um buscando uma providencial gravação via grampo ou dossiê secreto. Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão. O “achado” da Globo garantiu pontos decisivos a seu favor na disputa pelas verbas salvadoras do BNDES. A Globo está com Lula e não abre. Quem ama o feio, bonito lhe parece.
Para quem achava que na política estivessem em jogo questões de mérito e de ideologia, assim como se nas investigações de corrupção estivesse em jogo a justiça, trata-se de um balde de água fria. O último prego no caixão da ingenuidade deve ser pregado tão logo se perceber que os critérios para concessão de empréstimos do BNDES não são nada técnicos. São critérios, digamos, estratégicos, no quadro do relacionamento do governo com a grande mídia. Em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher. Os critérios atendem na verdade a considerações de conveniência política, bem menos certas do que a boa técnica bancária.
Um Banco de Desenvolvimento, ainda mais econômico e social, deveria emprestar dinheiro para empresas que fossem investir na produção e ajudar a expandir o mercado. Não para empresas endividadas. Macaco velho não mete a mão em cumbuca. O ato de se emprestar dinheiro a empresas endividadas para livrá-las das conseqüências de seus próprios erros de gestão deveria ser considerado um precedente perigosíssimo. E se todas as empresas endividadas do país decidissem pedir o mesmo?
Essa consideração será soterrada pelo discurso publicitário da Globo em favor de si mesma. Quem tem boca vai a Roma. Uma campanha será deflagrada para mostrar ao respeitável público a importância estratégica de proteger a mídia nacional, num cenário de globalização que ameaça as culturas nacionais, etc... Então está certo. Eles fingem que são sinceros defensores da cultura nacional e nós devemos fingir que acreditamos. Quem não chora não mama.
Deve-se desconfiar do que diz a mídia, seja pela sua disposição para acobertar maracutaias do governo Lula, em prol da própria saúde financeira; seja pela presteza para servir de megafone para amplificar as bravatas da direita, em busca de uma posição sólida na era pós-Lula. Cada um tenta puxar a brasa para sua sardinha.
Os dirigentes da mídia oscilam de forma esquizofrênica entre as tentações opostas do apoio a Lula e da denúncia ao governo do PT. Mesmo porque, esses dirigentes da mídia são na verdade políticos, congressistas, tele-coronéis, oligarcas que se sustentam em seus currais eleitorais a custa de manipular a notícia. Beneficiam-se do poder local para chantagear o poder nacional. Porém sabem que o sucesso tem muitos pais, mas o fracasso é órfão. No complexo jogo de adivinhação, acendem uma vela para Deus e outra para o diabo.
A mídia pratica um jogo de morde e assopra e torna difícil separar o joio do trigo da cobertura política. Resta dizer que foi o próprio PT quem aceitou esse jogo. Ajoelhou tem que rezar. A coisa mais detestável em relação ao governo Lula é ter que defendê-lo. Detestável porque é uma obrigação ingrata. Diante de tantos erros cometidos, a tarefa de defender o PT equivale a dar nó em pingo d’água. Pode ainda dar a impressão de que este escriba está voltando atrás no que escreveu, o que não é verdade. Não retiro uma vírgula do que já disse em textos anteriores sobre o governo Lula. Quem avisa amigo é. As críticas permanecem válidas.
O fato de que o governo Lula tenha cometido todos os erros que se possa imaginar e mais alguns, não impede que as práticas de seus opositores sejam também devidamente criticadas em tudo aquilo que tem de nocivo e repugnante. Em relação a este particular, a obrigação de criticar os opositores do governo prevalece sobre a de fiscalizar o governo. A imbecilidade da dita “esquerda” ora no governo não absolve automaticamente a direita de sua perfídia enquanto oposição. É justo dar a cada um a devida retribuição. A César o que é de César e a Deus o que é de Deus.
À sombra do caso Waldomiro Diniz veio à tona toda a fúria e o rancor da direita despeitada que não aceitou a derrota para Lula em 2002. A idéia de um presidente popular, que transforma a eleição em festa popular, legitimando o povo enquanto tal como sujeito político, é uma idéia intolerável para a direita. É claro que a alegria de pobre dura pouco, pois seu pão sempre cai com a manteiga para baixo. O desempenho do PT acabou se mostrando abaixo da crítica. Mesmo assim, com todos os defeitos ressaltados em comentários anteriores, é esse o governo “de esquerda” que temos. Quem não tem cão caça com gato. O problema é que o eleitor que votou em Lula esperando mudança comprou gato por lebre. Lula e o PT é que mudaram, para que tudo continuasse como sempre foi.
Que o governo não tenha sabido corresponder a esse mandato autenticamente popular não é a questão deste texto. A questão é que trata-se de um governo que verdadeiramente carrega (ou carregava) as melhores esperanças populares. Mais vale um pássaro na mão do que dois voando. O fato é que o “analfabeto” que chega à Presidência da República é uma figura difícil de engolir para oligarquias quatrocentonas que ainda teimam em ver o país como seu quintal. Oligarquias que se recusam a aceitar que seu tempo já passou. Cão que ladra mas não morde.
Não importa que a vitória de Lula tenha tido o condão de legitimar a ideologia burguesa. A ideologia de que qualquer um pode chegar lá: “se um migrante pernambucano, torneiro mecânico chegou lá, você também pode; vivemos num país democrático, onde o sistema funciona; o povo também tem vez.” Não importa que isso tenha sido apenas decorativo. O povo teve sua chance. Agora (2006 está aí), é hora de devolver o poder aos que realmente entendem. Cada macaco no seu galho. Para a direita rancorosa, mesmo essa alternância cosmética de poder é inaceitável.
A direita tem pressa para voltar ao poder. Por isso, agora é fora Lula. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Aí está a detestável ironia da coisa. O governo Lula está colhendo agora o que o PT plantou quando gritava “fora FHC”. O feitiço virou contra o feiticeiro. A arma da direita para desestabilizar o governo Lula foi plantada pelo próprio PT quando estava na oposição: a “crise política”. Pimenta no @#$% dos outros é refresco. A ameaça de CPI para investigar um escândalo de corrupção coloca o governo na defensiva e dá à direita o poder de exigir concessões. Quem tem rabo de palha não põe fogo no dos outros.
É simplista dizer que o PT paga agora o preço por sua cegueira. A falta de projeto, atestada pela recorrência do “fora FHC”, data da época em que o partido ainda era oposição. Pau que nasce torto morre torto. Descobre-se agora que era uma oposição apenas formal, não substancial, já que não tinha nada de novo para por no lugar do que saiu. Em casa de ferreiro o espeto é de pau. Ao invés de termos um projeto de país, temos uma obtusa gestão de aspectos macroeconômicos.
Um governo de esquerda que ao invés de ser pautado por um programa e uma ideologia, é guiado por idéias de marketing mirabolantes. Mentir demais pode ser perigoso, pois corre-se o risco de acreditar na própria mentira. De médico e louco todo mundo tem um pouco. O exercício do poder foi transformado em teatro da governabilidade. O PT adota o discurso de que “não há alternativa”. Em terra de sapo, de cócoras com ele. O pesadelo da venezuelização do país assombra o sono dos dirigentes petistas. Levados ao poder por vias eleitorais, não conseguem enxergar sua legitimidade além do aspecto eleitoral. Estão prisioneiros da necessidade de vencer as próximas eleições.
Como o PSDB, o PT também tem seu projeto de poder de 20 anos. Quem muito abraça, pouco aperta. O PT tem medo de ver o poder tão duramente conquistado esvaindo-se de seus dedos inábeis. Medo de quem, cara-pálida? Medo de não ter a capacidade para resistir ao golpismo da mídia e da direita reacionária? Não se cogita que o confronto, apesar do perigo, poderia trazer também o fortalecimento? O que não mata engorda. Se não há essa disposição, é por medo de não ter os colhões que Hugo Chavez teve em seu país? Lula dizia na época da posse que seu governo não poderia errar. Com isso, dizia que não iria tentar nada diferente. E ele errou, porque não tentou. Quem está na chuva é para se molhar.
Seria simplista, repito, dizer ao PT bem feito por sua estupidez. Escreveu, não leu, o pau comeu. Porque com isso ficamos num mato sem cachorro. Essa estupidez petista coloca o de todos nós na reta. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Enquanto se discutem essas miudezas eleitoreiras de bingos e CPIs, as grandes questões são decididas por debaixo dos panos. Na hora da onça beber água, o neoliberalismo marcha célere e avassalador. De grão em grão a galinha enche o papo. Na falta de um projeto nacional efetivo que se apresente como tal, os interesses internacionais tratam de assegurar seu quinhão. Cabeça vazia é morada do diabo. As raposas, a tomar conta do galinheiro, preparam-se para conceder a ALCA, a autonomia do Banco Central, a destruição da CLT, etc.
Como vovó já dizia, desgraça pouca é bobagem.
Daniel M. Delfino
17/04/2004
Nenhum comentário:
Postar um comentário